sexta-feira, 8 de abril de 2011

MANIFESTO PELO DIREITO DE ACREDITAR

Acredito na educação com a própria vida: sou professora. Antes de me tornar professora, fui estudante da escola pública brasileira. E para que a estudante de escola pública que eu era pudesse sonhar em se tornar uma universitária, tive de deixar minha cidade (Guarapari-ES) e minha mãe para ir morar com um pai que eu mal conhecia, mas que tinha o poder do capital. O poder do capital me inseriu num cursinho preparatório em que descobri o quanto eu não sabia e o que precisaria saber para ingressar na Universidade. Assim, pela via do exílio e da redenção “ao estranho que me forneceu o passaporte financeiro”, passei no vestibular, e me tornei uma universitária. Hoje, sou Mestre em Estudos Literários e Doutoranda em Letras pela Universidade Federal do Espírito Santo. E sou professora.
Nos últimos seis anos, lecionei no cursinho gratuito “Projeto Universidade Para Todos”. Lá, vi sonhos de estudantes de escolas públicas (tão semelhantes à meninazinha exilada que aos 17 anos deixou seu mundo) se realizarem. Servi de degrau à conquista de alguns milhares de jovens pobres, e de seus genitores e progenitores que não tiveram as mesmas possibilidades e então se realizavam por tabela no sucesso dos filhos. Vi filhos de pedreiros virando engenheiros e filhas de domésticas virando psicólogas. Uso o impróprio verbo virar para metaforizar, mesmo, a virada nas condições e expectativas de vida dessa gente tanta, e tão forte, e tão resistente. Mas essa felicidade de pobre, mais essa (!) não passou impune. Mais uma vez, as pressões do capital ameaçam anular gente boa, destitui-la dos sonhos, dissuadi-la das ilusões. O Projeto Universidade Para Todos parece estar com os dias contados.
O cursinho, de perfil filantrópico, funciona movido a apoios, patrocínios, investimento de quem pode em quem quer e sabe fazer as coisas. Já contou com o suporte de Prefeituras – Guarapari e Serra, por exemplo –, de empresas particulares como a Arcelor, e, em sua época áurea – áurea por conta da dimensão e da quantidade de mundos particulares transformados – com a Secretaria de Estado da Educação, Sedu – época em que o PUPT chegou a atender mais de três mil alunos por vez! Acontece que, por motivos que o grande público desconhece, mas que devem ser enormes – para justificar a puxada de tantos tapetes de uma só vez...– a Sedu excluiu-se da parceria com o PUPT. Depois, por bandalheiras internas à política e aos desvios de verbas da turma e da família do “amigo do povo” Sérgio Vidigal, a Prefeitura de Serra também deixou de investir em “seu futuro”. Daí, seguiu-se uma procissão de debandadas. E o PUPT, sem apoio, não tem mais como funcionar.
Levantando acusações levianas sobre a legitimidade do apoio da SEDU ao PUPT, exigiram da Secretaria de Estado da Educação que abrisse concorrência pública para a escolha da escola que realizaria a preparação de alunos das escolas governamentais para o vestibular. Com isso, conseguiram fazer com que as atividades do cursinho que até então o fazia de maneira sistemática ficasse estacionado, e, por conseqüência, que os alunos da rede pública ficaram sem estudar até que uma decisão fosse tomada.
Mas, por quê, em nome de quê, abrir licitações para realizar um cursinho gratuito se esse cursinho já existia, e se isso atrasa o início das aulas, o início da busca? Talvez para atender aos interesses dos nove cursinhos particulares que se inscreveram para a chamada pública para licitação este ano. E sem se dar conta de que essas tantas escolas se ofereceram neste ano, mas quiçá retirem seu interesse assim que o Universidade Para Todos deixar de existir, e de ser uma ameaça à manutenção dos privilégios nas mãos em que sempre estiveram.
E quem garante que essas escolas oferecerão ensino igual aos alunos oriundos da rede pública, aqueles que num ontem recente esbravejaram – e ainda gritam, por meio das páginas dos jornais – seus argumentos mesquinhos contra as cotas e os benefícios aos alunos pobres? Ou será que de hora para outra passarão a tratar como iguais os estudantes pobres e os seus?
Sei lá, mas acho que o setor público está entregando nas mãos dos mais abastados a chance – e o dinheiro! – de que necessitavam para aniquilar de vez gente que, em suas egoístas concepções, nunca deveria ter saído das cozinhas ou das senzalas.
Esta comunicação tem por objetivo pedir uma doação a quem a receber. Não estamos pedindo dinheiro, coisa que não hesitaríamos em fazer se desse para remediar a situação. Mas não estamos. Eu, Luciana Ucelli, peço, por minha conta, que cada um que possa, doe o que tiver. Se tiver acesso, contatos, dedique alguns instantes para enviar mensagens a quem tem o poder de fazer algo: autoridades, órgãos públicos, empresas, instituições. Se tiver tempo, acesse no Orkut a comunidade “Ficapupt” (http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=1762625) ou participe da manifestação que acontecerá em 12 de abril, às 17h30, na Assembleia Legislativa do ES, pouco antes da audiência pública que arbitrará sobre o cursinho (às 18h.). Se tiver acesso à mídia, denuncie nossa perda. Se for da (a) mídia, tome parte disso como gesto de responsabilidade social. E, principalmente, se for um ex-aluno do PUPT, participe em nome dos próximos. Ou se conhecer um dos mais de 15 mil egressos, avise-o da audiência pública do dia 12 de abril (18 horas na ALES).
Mobilizações têm sido feitas sem muito sucesso. Professores e ex-professores têm se manifestado, com o apoio massivo de ex-alunos (hoje universitários) e de candidatos a futuros alunos da família PUPT (sem demagogia...), compondo o movimento “Fica pupt” que já conta com mais de 1.200 integrantes. Mas, como 1000 pessoas não elegem um governo, não bastam aos interesses políticos, precisamos engrossar as fileiras desse movimento, para nos fazer notar e atender.
Apesar do aborrecimento da academia para com a deformação de conceitos educacionais que um curso pré-universitário representa, há unanimidade quanto à necessidade de que esse tipo de curso continue a existir, dada a falta de suporte do Ensino Médio – principalmente o público – para enfrentar o meio de seleção que nos é possível: o vestibular. Tanto isso é real que os filhos de quem gere a universidade provavelmente passaram por esses meios para conseguirem estar lá.
É verdade que se trata de uma deformação do ensino, e que nesses cursos se transmitem conhecimentos de modo “instrumental”, em “pílulas”. Mas se o hiato entre o ensino que se fornece e a seleção que se impinge é um câncer, é mister que se empreenda uma terapia agressiva, cujos benefícios, ao fim, superam as seqüelas. E para tentar reduzir as diferenças de condições, é preciso que aqueles que têm o poder financeiro mas são limitados quanto aos meios de fazer a coisa certa invistam naqueles que sabem fazer a coisa certa, mas precisam de recursos. O vasto leque de provas desse saber fazer do PUPT pode ser visto diariamente transitando pela Universidade.
Ajude-nos a não deixar que esse trânsito se interrompa. Se não por uma igualdade, por uma redução das diferenças de condições de acesso à universidade. Se não pela cura das chagas educacionais brasileiras, que seja pelo paliativo que tem ajudado sonhos de jovens pobres a continuarem luzindo.
Saudações esperançosas
Professora Me. Luciana Fernandes Ucelli Ramos, estudante de escola pública e da Universidade pública, com orgulho.
Movimento Fica Pupt

P.S.: Por gentileza, e se possível, responda a esta mensagem.
Caso se interesse, acesse as imagens das últimas manifestações no endereço abaixo.

http://www.youtube.com/watch?v=8OY1VLuf4ps&feature=related

terça-feira, 9 de novembro de 2010

SER DE LETRAS

Eu sou de letras.

Assim, conforme propriamente dito: o verbo existência subordinado ao substantivo grávido de todos os outros: Letras.

Isso porque não adquiri as letras no infeliz Curso Superior que carrega esse nome. As letras me adquiriram, e, portanto, o eu, propriedade privada delas.

Daí que passo os dias sendo compelida a ver as letras de outros, profissionalmente. E nos momentos de lazer, distraio-me com as letras ora gozadas ora taciturnas de terceiros que se põem em primeiras pessoas. Às vezes em terceiras, mas intrometendo-se nas verdades desses terceiros eus.

Mas ainda sou estudante, ahá!... Doutoro-me para dominar as letras, finalmente. Mas, que coisa descubro? Hã?! Que dominar as letras não é senão sofrer dioturnamente o código, que julgo conhecer mas que guarda segredos em cada vírgula. Do código, às histórias. Estas, que guardam mensagens dentro das mensagens e eu, escravo de letras mais abundantes que os minutos que me restam de vida, perco a hora. De novo.

Infelizmente, não domino nenhum código numérico. O do dinheiro, o dos ordinais e, principalmente, o infeliz código miudinho que carrega toda a grandeza da vida inteira que poderia ter sido mas não foi: o das horas.

Infelizmente...

02h54

200810

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Proposta de redação: SENADO APROVA NOVA LEI DE ADOÇÃO

João Rodholfo em Notícias Do Senado. 15 de julho de 2009.


O plenário do Senado aprovou nesta quarta-feira (15) a nova lei nacional de adoção com o objetivo de acelerar os processos e impedir que crianças e adolescentes permaneçam mais de dois anos em abrigos públicos.


O texto é centrado na garantia do direito de crianças e adolescentes à convivência familiar e comunitária, estabelecida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A Câmara dos Deputados será comunicada acerca da aprovação da matéria, que segue para sanção presidencial.


É prevista a criação de cadastros nacional e estaduais de crianças e adolescentes em condições de serem adotados e de pessoas ou casais habilitados à adoção. Também haverá um cadastro de pessoas ou casais residentes fora do país interessados em adotar, que, no entanto, só serão consultados caso não haja brasileiros habilitados nos cadastros internos.


Entre as inúmeras sugestões de mudanças na lei atual está a definição do conceito de família ampla, com o empenho na permanência dos menores na família original e, em caso de impossibilidade, com parentes próximos como avós, tios e primos.


As entidades que tenham programa de acolhimento institucional podem, em caráter excepcional e de urgência, receber crianças e adolescentes sem a prévia determinação da autoridade competente. No entanto, têm a obrigação de fazer a comunicação do fato em até 24 horas para o juiz da Infância e da Juventude.


O cadastro nacional de pais adotantes conta atualmente com 22 mil candidatos, enquanto duas mil crianças esperam pela adoção. Outra medida é a não punição da adoção informal no Brasil, sem a intermediação das autoridades.


A proposta também estabelece a exigência de preparação prévia dos pais adotivos e de acompanhamento familiar pós-acolhimento em caso de adoção internacional.


FONTE: UOL.com.br


As mudanças, com a nova lei:


  • O governo vai disponibilizar recursos para auxiliar famílias adotantes (treinamento, licença e desburocratização);
  • A idade mínima foi reduzida e não há mais exigência de um estado civil específico: pessoas acima de 18 anos, solteiras, casadas ou em união estável poderão se candidatar a adotar crianças;
  • Não constam, no novo texto, restrições a casais ou indivíduos homossexuais;
  • Punição à adoção informal – com o objetivo de reduzir exploração sexual e comércio de crianças humanas; controle rígido específicamente destinado a evitar comércio de bebês humanos.
  • Proteção à mãe que quer entregar o filho para adoção;
  • Contenção da violência contra crianças pequenas com a redução de maternidades indesejadas.
  • Garantia de licenças maternidade e paternidade a pais adotantes.


Apontamentos para uma boa resposta a esta proposta:

  • seu texto deve observar em especial o aspecto que abre a possibilidade de adoção de bebês por casais gays e por pessoas bastante jovens;
  • deve aproveitar os fragmentos da coletânea para se informar e para manifestar opiniões diretas e amadurecidas sobre os diversos pontos da nova lei (Por exemplo: "Assim como o momento da chegada de um filho biológico deve ser sagrado e amparado, faz todo sentido o governo garantir treinamento e licenças maternidade e paternidade às famílias adotantes. ";)
  • Em nenhum momento você deve manifestar preconceito ou valores religiosos delimitantes como meio de desenvolver seus argumentos. No tema proposto, acima do falso moralismo e dos conservadorismos, deve-se explorar, prioritariamente argumentos que visem a apontar para o bem estar da criança.
  • Por fim, fuja dos clichês. ideias como "Como ficaria a cabeça de uma criança que tivesse dois pais ou duas mães" são vazias e inúteis, pois é natural à nossa sociedade preconceituosa e falso-moralista preferir ver uma criança num orfanato a vê-la num lar composto por pessoas do mesmo sexo.

Analise os dados e compartilhe suas opiniões.

Caso queira testar se uma ideia sua é ou não empregável, mande-a para cá.

Sucesso.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Considerando os textos motivadores abaixo e fatos do seu conhecimento escreva um artigo de opinião tecendo reflexões sobre o tema: “Ensino religioso, preconceitos e prioridades educacionais no Brasil”.

Fragmento 1

Professora afastada por dar aula sobre religião afro

José Reinaldo Marques – 01/10/2009

Uma professora da Escola Municipal Pedro Adami, em Córrego do Ouro, Macaé, RJ, teria sido afastada pela direção por ter dado uma aula sobre religiões afrobrasileiras.

Depois concluir um curso de pós-graduação em cultura africana e afro-brasileira oferecido pela Prefeitura, Maria Cristina foi punida pela diretora da escola, com o afastamento de sala de aula, justamente por dar uma aula sobre religião africana, usando o livro "Lendas de Exu", de Ademir Martins, editado com recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), órgão vinculado ao MEC. O livro ela pegou na biblioteca do colégio, e traz o carimbo de indicação do MEC e de recomendação da própria Prefeitura de Macaé.

Em 18 anos de magistério, a professora Maria Cristina disse que nunca tinha passado por uma situação semelhante. "A diretora me ameaçou dizendo: 'Ou você pára ou eu vou lhe colocar pra fora. A comunidade aqui é evangélica, se você não parar vai ter que sair'. É muito doloroso, pois isso aconteceu depois que eu me aprofundei na cultura afro e vi que está na hora de mostrar essa beleza cultural, além do que o colonizador fez com negros e índios. Uma história que está abafada desde o meu tempo de aluna."

Maria Cristina disse que nesta sexta-feira, 3 de outubro, vai entrar com uma ação no Ministério Público contra a diretora da escola, por causa das humilhações que sofreu.

O caso da professora de Macaé se configura como um grave atentado à liberdade de expressão religiosa, que fere a Constituição e a Lei federal 10.639 (que determina o ensino da cultura africana e afro-brasileira nas escolas). [...]

Disponível em http://www.abi.org.br/primeirapagina.asp?id=3229. Acessado em 17/10/2009.

Fragmento 2

Senado aprova acordo com Vaticano que consolida ensino religioso no Brasil

Daniella Cambaúva e William Maia - 07/10/2009 - 18h15

O plenário do Senado aprovou nesta quarta-feira (7/10) a ratificação do acordo que cria o novo Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil. Assinado em novembro do ano passado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante encontro com o papa Bento XVI, o tratado reconhece, dentre outras coisas, "a importância do ensino religioso" no país.

A aprovação do acordo foi cercada de polêmica, já que, além do comprometimento em manter a educação religiosa facultativa nas escolas públicas, ele também prevê isenção tributária a órgãos da Igreja que exerçam atividades filantrópicas. Em agosto, a Associação dos Magistrados Brasileiros qualificou o acordo como "grave retrocesso ao exercício das liberdades".

O senador Geraldo Mesquita Júnior (PMDB-AC) questionou absteve-se da votação e questionou a proposta, alegando: "Com a aprovação desse acordo, estamos abrindo precedentes graves. Como vamos resolver o problema das outras religiões que vão se sentir no mesmo direito?".

Já para o constitucionalista Pedro Estevam Serrano, a manutenção do ensino religioso por si só, não ameaça o princípio do Estado Laico. "O ensino religioso é possível na ordem constitucional, porque a religião é uma dimensão da cultura humana, mas desde que não seja voltado para uma religião específica".

A menção ao ensino religioso não deixa claro se haveria preferência à doutrina católica. Sobre isso, Serrano Ele adverte que "O Estado laico não significa a ausência do reconhecimento da religião enquanto fenômeno cultural a ser protegido. A nossa Constituição determina que os bens culturais devem ser protegidos, e dentre eles está a religião". Porém, é evidente que as diretrizes do ensino religioso poderiam ser mais bem definidas. "Deveria ficar claro que o ensino da religião não se fizesse a partir dos conceitos e valores de uma crença religiosa específica, mas que se tratasse da religião como um todo, com um caráter histórico do vínculo das pessoas e da comunidade com as crenças. Em outros termos, importa ensinar as religiões e não a religião".

http://ultimainstancia.uol.com.br/noticia/SENADO+APROVA+ACORDO+COM+VATICANO+QUE+CONSOLIDA+ENSINO+RELIGIOSO+NO+BRASIL_66087.shtml


 

Apontamentos para a realização do seu texto:

  • Ainda que o tema tenha cunho polêmico e aborde a religião, NÃO USE VALORES RELIGIOSOS PESSOAIS PARA DEFENDER SEUS ARGUMENTOS. Isso porque a fé consiste numa experiência individual e subjetiva, e para dissertar, devem-se empregar A OBJETIVIDADE E A LÓGICA. Sem desmerecer-se enquanto religioso, use a lógica;
  • Não seja preconceituoso em relação a denominações religiosas;
  • Você pode citar a religiosidade da população, mas não a sua. E não use o eu no texto.
  • Por fim, se você sentir uma necessidade enorme de bater em religiões e crenças com as quais não concorda, não coloque sua particularidade na frente da lógica: transfira isso para a coletividade. Assim, em vez de cometer o absurdo de dizer algo como

    "Sou contra ensinar macumba na escola porque isso é contra a lei de Deus, expressa na Bíblia. Isso não é preconceito: é seguir os mandamentos de Jesus"

    diga algo do tipo

    "A população brasileira, majoritariamente cristã, vê com estranhamento o ensino de doutrinas muçulmanas e práticas de espiritismo, umbanda e candomblé, por exemplo. Não é preconceito inventado: é um comportamento que se baseia em sua cultura."


     

    Tente.

    Caso queira testar se faz sentido sua colocação, mande para cá e a gente conversa.

    Sucesso.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

MATRIZ DE REFERÊNCIA DO NOVO ENEM: ALGUMAS DICAS SOBRE AS LINGUAGENS

1 Leitura que envolveO QUE É LINGUAGEM? “É DE COMER”?

Muitas pessoas fazem uma natural confusão entre língua e linguagem. Segundo o dicionário Houaiss Língua é

2.conjunto das palavras e das regras que as combinam, usadas por uma comunidade linguística como principal meio de comunicação e de expressão, falado ou escrito; 3. o idioma nacional.

Sendo assim, a língua não é a linguagem. Aqui no Brasil, a nossa língua é aquela matéria cheia de regras e normas fixas que estudamos na matéria de Gramática, em alguns lugares registrada como “Português”, e em outros como “Comunicação e expressão”.

Linguagem é

1 o conjunto das palavras e dos métodos de combiná-las usado e compreendido por uma comunidade 2 capacidade de expressão, esp. verbal 3 meio sistemático de expressão de ideias ou sentimentos com o uso de marcas, sinais ou gestos convencionados 4 qualquer sistema de símbolos e sinais; código 5 linguajar

A linguagem é um fenômeno humano e, por conseguinte, está intrinsecamente relacionada com práticas sociais. Conseqüentemente, quando perguntamos pelo significado, é fundamental considerarmos o que as pessoas estão fazendo quando usam a linguagem.

O que acontece com frequencia é que, quando se pensa em linguagem, pensa-se principalmente em palavras e seus efeitos comunicativos, e nao compreendemos bem que, às vezes, uma simples palavra pode significar muita coisa, a roupa que escolhemos usar e o modo como nos comportamos em circuntâncias determinadas podem ser linguagens e os seres sociais são diferentes e, logo, suas linguagens são diferentes.

1.1 Algumas linguagens dentro da língua portuguesa

“AI!”

Pode parecer bobagem, mas uma simples interjeição significa muito: se dizemos “ai!” ao escorregar ou tropeçar pode querer dizer uma série de coisas, como “puxa vida, me machuquei, sempre faço isso, não queria sentir dor, agora está doendo, tomara que essa dor passe logo, vou prestar mais atenção!”. Puxa, ficaríamos cansados só de imaginar o quanto teríamos que dizer se não fossem as interjeições! Mas as interjeições não são uma língua: são uma linguagem. Um sistema de meios sintéticos para expressar, meio sem pensar, emoções imediatas para as quais teríamos que “gastar muita saliva”, como se diz no popular.

No fim das contas, podemos afirmar que uma linguagem só funciona quanto é um código combinado por falantes e receptores de uma determinada localidade, segmento ou grupo social, compreensível para um conjunto de sujeitos em situação de comunicação.

Pensemos em outras linguagens: as gírias e os palavrões. As gírias e os palavrões são modos de expressão socialmente reprovados, porque não se encaixam bem nos “combinados” gerais de um país– ou, em termos técnicos, nas convenções da norma culta da língua –, e por isso são modos de expressão socialmente reprovados.

Em alguns contextos, a gíria pode provocar exclusões. Se me reporto a um amigo dizendo “Mais tarde passo no seu escritório para pegar a parada” só eu e meu amigo compreenderemos a mensagem, ainda que estejamos num local ocupado por muitas outras pessoas. E o palavrão, em muitos casos, soa agressivo, mas pode assumir sem ruídos o papel de uma interjeição, como em “Caramba! Que bom rever você!”. Nesse trecho, o termo em itálico ocupa o lugar de outros como “Puxa vida!”, ou “Minha nossa!”, ou ainda “Meu Deus!”, termos mais socialmente aceitáveis e perfeitamente adequados à norma, mas confessando bem, o palavrão consegue expressar mais profundamente o impacto do que se quer expressar.

Uma outra categoria de palavras não necessariamente reprovada mas também não muito bem vinda à norma é o regionalismo. Como é marcante o “iá” do capixaba, o “ox’ente” do baiano e o “trem” de Minas.

Então, ainda que não muito apropriados para a nossa escrita, os trocadilhos, as gírias, os regionalismos e todas as demais maneiras de comunicação não convencionais (entenda-se “cortadas das convenções”) também têm bastante poder de comunicar, também são linguagens bastante expressivas.

E ainda há muitas outras linguagens, não relacionadas à língua portuguesa, que merecem consideração.

1.2 Libras: a linguagem dos sinais

Você já imaginou o que você faria se não pudesse falar e ouvir? Sem a oralidade, parece impossível a comunicação, não é? Só parece, porque, de fato, não é. Pensa assim só quem nasceu com estas duas faculdades - audição e fala - perfeitamente desenvolvidas. Há um contingente enorme de pessoas que estão por aí, trabalhando, estudando, vivendo, sem usar a oralidade. E cada vez mais são criadas leis que defendem estas pessoas, garantindo seu direito de participação, como cidadãos que são, em todos os aspectos da sociedade.

Entre os muitos instrumentos usados para comunicação não oral, figura a linguagem dos sinais, criada por um monge beneditino francês, morador de um mosteiro onde imperava a lei do silêncio. Adotada há mais de cem anos, no Brasil é chamada de Libras, Língua Brasileira de Sinais.

As Línguas de Sinais (LS) são as línguas naturais das comunidades surdas. Ao contrário do que muitos imaginam, as Línguas de Sinais não são simplesmente mímicas e gestos soltos, utilizados pelos surdos para facilitar a comunicação. São línguas com estruturas gramaticais próprias.

Atribui-se às Línguas de Sinais o status de língua porque elas também são compostas pelos níveis lingüísticos: o fonológico, o morfológico, o sintático e o semântico. O que é denominado de palavra ou item lexical nas línguas oral-auditivas são denominados sinais nas línguas de sinais.

O que diferencia as Línguas de Sinais das demais línguas é a sua modalidade visual-espacial. Assim, uma pessoa que entra em contato com uma Língua de Sinais irá aprender uma outra língua, como o Francês, Inglês etc. Os seus usuários podem discutir filosofia ou política e até mesmo produzir poemas e peças teatrais.

LIBRAS, ou Língua Brasileira de Sinais, é a língua materna dos surdos brasileiros e, como tal, poderá ser aprendida por qualquer pessoa interessada pela comunicação com essa comunidade.

Como língua, esta é composta de todos os componentes pertinentes às línguas orais, como gramática semântica, pragmática sintaxe e outros elementos, preenchendo, assim, os requisitos científicos para ser considerada instrumental lingüístico de poder e força.

Possui todos os elementos classificatórios identificáveis de uma língua e demanda de prática para seu aprendizado, como qualquer outra língua. “É impossivel para aqueles que não conhecem a língua de sinais perceberem sua importância para os surdos,sua enorme influência sobre a felicidade moral e social dos que são privados da audição e sua maravilhosa capacidade de levar o pensamento a intelectos que de outra forma ficariam em perpétua escuridão. Enquanto houver dois surdos no mundo e eles se encontrarem, haverá o uso de sinais.” (J. Schuylerhong)

Veja, abaixo, a palavra, em português, G-I-R-A-F-A escrita utilizando o alfabeto manual de LIBRAS.

– G-I-R-A-F-A na língua de sinais (usando a datilologia)

Os livros didáticos de aprendizado de LIBRAS ensinam que quando a palavra de um exercício tem que ser em datilologia, então se coloca em letra maiúscula e separada por hifens, para as pessoas saberem o que está escrito.

A datilologia é a soletração de uma palavra usando o alfabeto manual de LIBRAS.

Na Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS, podemos nos referir ao animal usando a datilologia, alfabeto manual onde cada sinal corresponde a uma letra (imagens acima), mas também podemos utilizar um sinal específico para a palavra girafa, o qual chamamos de “sinal da girafa”, como mostra a imagem abaixo.

Já o sinal é formado a partir da combinação do movimento das mãos com um determinado formato (que chamamos configuração de mãos de LIBRAS), em um determinado lugar, podendo este lugar ser uma parte do corpo ou espaço em frente ao corpo.

SINAL DA GIRAFA

A datilologia é mais usada para expressar nome de pessoas, localidades e outras palavras que não possuem um sinal específico. É difícil de explicar isso utilizando apenas a escrita, sem demonstrar com as mãos, porque LIBRAS é uma língua de modalidade gestual-visual... Portanto se a pessoa vir o gesto sobre o que estamos querendo falar, torna-se muito mais fácil para ela entender...

Uma pessoa que não é surda pode usar a datilologia quando ela não sabe o sinal correspondente do que quer falar com um surdo... Então para o surdo entender do que se trata devemos soletrar, usando o alfabeto manual...

Entretanto nem todo surdo é “sinalizado”, muitos são “oralizados” e outros não conhecem LIBRAS, infelizmente...

Os estudos em indivíduos surdos demonstram que a Língua de Sinais apresenta uma organização neural semelhante à língua oral, ou seja, que esta se organiza no cérebro da mesma maneira que as línguas faladas.

A Lingua Brasileira de Sinais foi aprovada pela Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002.

Fonte – http://www.acessobrasil.org.br/libras/

Acessado e adaptado em 18 de agosto de 2009.

1.3 Enfim, sobre a linguagem...

Só para não deixar de responder a pergunta do título: a linguagem não é de comer, mas produzimos e consumimos linguagem e linguagens durante todo o tempo, e durante toda a nossa vida em sociedade. Falaremos, aqui, pois, de várias linguagens, seus códigos, e as tecnologias que dão suporte à comunicação entre os seres humanos, seres sociais que somos.

2 ESTUDO DAS PRÁTICAS CORPORAIS

No nosso corpo, não é só a língua que fala. Pensemos por exemplo, em algumas escolhas do nosso dia-a-dia:

Por que devo ir a uma entrevista de emprego com uma roupa cinza e não vermelha?

Por que costumo falar mansamente ao telefone e em alto volume quando converso pessoalmente?

Por que vou à faculdade com minhas melhores roupas no início das aulas e, quando estou prestes a me formar visto qualquer coisa?

Por que normalmente somos gentis e educados quando visitamos a casa de alguém pela primeira vez e depois de certo tempo pegamos o que queremos na geladeira desse alguém?

Estilo sé o conjunto das nossas escolhas. Daquilo que aprendemos, incorporamos algumas coisas, intensificamos ou rejeitamos outras. O estilo das grandes cidades difere do estilo das cidades de interior: a cidade out door pouco tem a ver com aquela cidadezinha em que as pessoas se encontram nas tardes de domingo na praça central. Temos uma corporalidade própria, cada um e cada conjunto de pessoas. E a linguagem de um conjunto social se reflete no ambiente que essa pessoa cria. Falaremos aqui das práticas corporais.

2.1 LINGUAGEM CORPORAL

A linguagem corporal é uma ferramenta de comunicação, sendo assim, se você consegue entender o que o corpo tem a dizer, conseguirá entender melhor o que os outros estão dizendo, e também transmitir melhor a sua mensagem.

Na verdade, devemos tomar muito cuidado, pois muitas vezes a boca diz uma coisa, mas o corpo fala outra completamente diferente.

Oliver Sacks, em seu livro sobre surdos, comenta sobre como estes, ao assistir um programa de televisão com a presença de políticos, riam ininterruptamente da incapacidade de mentir que os "corpos" tinham. A linguagem corporal era uma grande delatora das mentiras que estes contavam.

Aqui vemos um exemplo simples. O presidente Clinton nega repetidas vezes que tenha tido relações com Monica, mas ele procura a todo o momento esconder a boca enquanto fala, ou manter as mãos entrelaçadas, sinais de que tem algo a esconder.

É claro que os estudos acerca da linguagem corporal apresentam apenas indícios, e a verdade da linguagem do corpo deve ser sempre interpretada dentro do contexto comunicativo. Mas veja como são interessantes esses indícios da linguagem do corpo...

Exemplos de Linguagem Corporal

Comportamento não verbal

Possíveis Interpretações

Movimentação rápida, andar ereto

Confiança

Parar com as mãos na cintura

Incompreensão, agressividade

Sentar com pernas cruzadas e pequenos
chutes no ar.

Cansaço, aborrecimento

Sentar com as pernas abertas

Abertura, relaxamento

Braços cruzados no peito

Defensiva

Andar com as mãos nos bolsos, olhando
para baixo

Falta de entusiasmo, desmotivado.

Mãos nas maças do rosto

Avaliação, pensamento.

Coçar o nariz, tocar o nariz ao falar.

Dúvida, mentira.

Esfregar os olhos

Descrença, Dúvida, mentira

Mãos fechadas atrás das costas

Frustração, ódio.

Tornozelos fechados

Apreensão

Apoiar a cabeça nas mãos, olhar para baixo
longamente

Aborrecimento

Esfregar as mãos

Antecipação, ansiedade

Sentar com as mãos para trás da cabeça e
de pernas cruzadas

Confiança, Superioridade

Mãos abertas, palmas para cima.

Sinceridade, inocência, abertura

Coçar a ponta do nariz, olhos fechados

Avaliação negativa

Batucar com os dedos, olhar o relógio.

Impaciência.

Estalar os dedos

Autoridade

Alisar o cabelo

insegurança

Inclinar/ Virar a cabeça na direção...

Interesse

Coçar o queixo

Pensando

Desviar o olhar

Desconfiança

Roer unhas

Ansiedade, insegurança

Puxar ou coçar a orelha

Indecisão

Conforme podemos ver, não é apenas entre as comunidades surdas que a linguagem do corpo fala por nós. Numa entrevista de emprego, num início de namoro, num contexto em que temos intimidade, nas conversas e nos diversificados contextos do cotidiano, nosso corpo “fala”!

Conforme podemos perceber, nossa integração social passa, necessariamente, pela nossa linguagem corporal – e não só pelo que somos capazes de falar ou omitir. Com base nessa afirmativa, podemos dizer ainda que a linguagem corporal investe decisivamente para a formação da identidade dos cidadãos. Por exemplo, sabemos que, principalmente no seio das comunidades menos instruídas, as crianças são educadas para não olharem diretamente nos olhos. Quando adultos, esses mesmos meninos que adotaram o olhar desviante como obediência a uma educação, acabam sofrendo a dominação dos que olham nos olhos e falam de maneira afirmativa. Um outro ensinamento bastante comum no Brasil é a modéstia. Somos educados, em grandes e variados contextos, para não exaltarmos nossas qualidades pessoais. Um dia, porém, se esse comportamento assumir ares dominantes em nossa vida, seremos tidos por fracos. Ser modesto é calar os próprios feitos, é comportar-se mal (desviantemente) diante de elogios, o que representa quase uma rejeição do reconhecimento que nos é direcionado. Esse tipo de comportamento é digno de constar na lista de nossos defeitos e não de nossas qualidades. De igual modo, andar erguido, falar sem rodeios, usar da franqueza, podem ser considerados defeitos, em determinados grupos, sob os nomes de soberba, imosição ou grosseria, por exemplo.

Sem querer lançar juízos de valor, mas consciente de já ter, de certo modo, feito isso, chamamos a atenção para este fato: as linguagens corporais de uma sociedade, as que recebemos como herança cultural e as que escolhemos transmitir, carecem de ser revistas, na mesma proporção em que mudam as formas como são interpretadas.

Nosso corpo é uma das linguagens do que expressamos e representamos no mundo. Importa que se observe isso e que se leve o corpo mais a sério.

2.1.1 A DANÇA

Quando dançamos espotaneamente permitimos que o corpo, através do seu próprio ritmo, dê vazão as emoções e aguce nossa capacidade expressiva. Corpo, mente, sentimentos, gestos e posturas são aspectos interdependentes de uma mesma individualidade.

Na dança o homem se transforma e adapta através do movimento, da improvisação, da meditação dinâmica e do movimentar-se. O movimento corporal envolve o homem em uma evolução perfazendo um caminho de encontro com o homem consigo mesmo – tanto em relação ao corpo quanto em relação à sociedade.

A criatividade e a consciência de si mesmo, situa e identifica, estabelece uma relação com o conteúdo emocional traz à tona a arte, e o que pode haver de artístico em usar o corpo para aproveitar todas as sensações estéticas que ele pode proporcionar a quem se move e a quem observa o movimento. Nisto, emerge a expressão do que o homem realmente é, um espelhamento de si, da grandeza interior.

Na improvisação dos movimentos o homem vê suas inúmeras possibilidades de ser, se estrutura e desestrutura, forma bases para libertar e diminuir suas rigidez e com isso permitir uma mudança corporal e de atitudes psíquicas para uma melhor qualidade de vida e proporciona uma vida mais feliz.

As danças solo colocam o artista despido de quem lhe dê suporte, vulnerável à percepção do outro sobre ele, ponto único exposto no palco.

Já as coreografias impõem a sincronia: o verdadeiro sentido de sociedade representado por meio de uma arte: se cada um fizer a sua parte, em sincronia com o trabalho do grupo, ter-se-á uma unidade. Do contrário, tudo será um amontoado de gente dispersa, cada qual em um trabalho individual de exibição inadequada ao contexto.

As danças em casas de ritmos específicos (boates, pagodes, gafieiras, funks...) agregam pessoas em torno de suas identificações com uma predileção comum. Nesse caso, a dança propicia encontros de pessoas que buscam um mesmo tipo de distração.

As danças populares, comuns de determinadas regiões, que um homem incorpora a sua cultura acabam por constituir uma incorporação do outro, de certo modo. Disto podemos citar a incorporação do hip hop e do coutry, movimentos de execução vocal e dança tipicamente estadunidenses, à cultura brasileira. Representam para nós enriquecimento, e ampliam-nos o hiridismo. Podemos mencionar também, só para dar conta de que o Brasil também exporta dança, a proliferação de escolas de samba (escolas que ensinam samba) e a realização de um carnaval no Japão: a busca pela incorporação da cultura alegre e descontraída do brasileiro, bem como do desligamento da realidade por um período de festa não sagrado, mas quase.

Importa mencionar ainda a relevância extrema das danças típicas e folclóricas como verdadeiros modos de registro de tradições. O folclore brasileiro é rico em danças que representam as tradições e a cultura de uma determinada região. Estão ligadas aos aspectos religiosos, festas, lendas, fatos históricos, acontecimentos do cotidiano e brincadeiras. As danças folclóricas brasileiras caracterizam-se pelas músicas animadas (com letras simples e populares) e figurinos e cenários representativos. Estas danças são realizadas, geralmente, em espaços públicos: praças, ruas e largos.

Principais danças folclóricas do Brasil

Samba de Roda: Estilo musical caracterizado por elementos da cultura afro-brasileira. Surgiu no estado da Bahia, no século XIX. É uma variante mais tradicional do samba. Os dançarinos dançam numa roda ao som de músicas acompanhadas por palmas e cantos. Chocalho, pandeiro, viola, atabaque e berimbau são os instrumentos musicais mais utilizados.

Maracatu: O maracatu é um ritmo musical com dança típico da região pernambucana. Reúne uma interessante mistura de elementos culturais afro-brasileiros, indígenas e europeus. Possui uma forte característica religiosa. Os dançarinos representam personagens históricos (duques, duquesas, embaixadores, rei e rainha). O cortejo é acompanhado por uma banda com instrumentos de percussão (tambores, caixas, taróis e ganzás).

Frevo: Este estilo pernambucano de carnaval é uma espécie de marchinha muito acelerada, que, ao contrário de outras músicas de carnaval, não possui letra, sendo simplesmente tocada por uma banda que segue os blocos carnavalescos enquanto os dançarinos se divertem dançando. Os dançarinos de frevo usam, geralmente, um pequeno guarda-chuva colorido como elemento coreográfico.

Baião: Ritmo musical, com dança, típico da região nordeste do Brasil. Os instrumentos usados nas músicas de baião são: triângulo, viola, acordeom e flauta doce. A dança ocorre em pares (homem e mulher) com movimentos parecidos com o do forró (dança com corpos colados). O grande representante do baião foi Luiz Gonzaga.

Cateretê: Também conhecida como catira, é uma dança caracterizada pelos passos, batidas de pés e palmas dos dançarinos. Ligada à cultura caipira, é típica da região interior dos estados de São Paulo, Paraná, Minas Gerais e Goiás e Mato Grosso. Os instrumento utilizado é a viola, tocada, geralmente, por um par de músicos.

Quadrilha: É uma dança típica da época de festa junina. Há um animador que vai anunciando frases e marcando os momentos da dança. Os dançarinos (casais), vestidos com roupas típicas da cultura caipira (camisas e vestidos xadrezes, chapéu de palha) vão fazendo uma coreografia especial. A dança é bem animada com muitos movimentos e coreografias.

Congo: as folclóricas Bandas de Congo do Espírito Santo perpetuam um ritmo inédito, herdado de índios e negros, parte integrante da cultura popular “capixaba”. Notável pela marcação rítmica dos “congos”, ou seja, tambores, e da “cassaca” ou casaca ( “reco-reco” de cabeça esculpida. O congo é considerado por estudiosos das tradições populares do Espírito Santo, como uma dança folclórica, por ser um grupo musical de estrutura simplificada, com dançadores e um dirigente (mestre), possui coreografia própria, sem texto dramático, e outras pessoas podem ser incluídas, isto quer dizer: podem participar desta manifestação, que possui características próprias sem igual em outros estados do país.

2.1.1.1 integração: Rede de companhia de dança com deficientes

Cristina Veiga

Montar uma rede de companhias de dança contemporânea que misture portadores e não portadores de deficiência física. Este é o objetivo maior do projeto Dance Meets Differences, que está no Brasil montando o espetáculo Via sem Regra (que fala sobre tabus) com quatro bailarinos brasileiros e três alemães, dirigidos pela coreógrafa e criadora do programa, a alemã Gerda Koenig.

“O projeto amplia a visão do espectador porque, não só mistura pessoas de possibilidades físicas diferentes, mas também pessoas de países diferentes, culturas diferentes, línguas diferentes, linguagens diferentes. É a globalização no sentido humanístico da palavra”, disse, em entrevista exclusiva ao Aprendiz, o coordenador geral do projeto, Gustavo Fijalkow.

A idéia é deixar uma semente do projeto em cada um dos cinco continentes por onde o grupo passar. O primeiro continente escolhido foi a América e, nele, o Brasil. Ao chegar ao país, a cadeirante Koenig e sua equipe fizeram o que vão repetir no Quênia (África) e na Malásia (Ásia): selecionaram bailarinos portadores e não portadores de deficiência e passaram a ensaiar em ritmo de qualquer companhia de dança - seis dias por semana, oito horas por dia.

No intervalo desses ensaios, Koenig tem repetido que o Dance Meets Differences é um programa que “questiona as regras, os rituais e preconceitos de nossa sociedade e procura transgredir os limites entre pessoas com diferentes possibilidades de movimento. Inaugura, pela ruptura de tabus, nova possibilidade de percepção visual dos movimentos”. É exatamente o que pretende quando estrear o espetáculo em São Paulo.

Apesar de misturar portadores com não portadores de deficiência, o projeto não tem a preocupação com a inclusão. “A proposta é otimizar a deficiência e confrontar as pessoas com seus limites”, acrescenta Fijalkow, contando que os espetáculos montados agora participarão de um festival na Alemanha no primeiro semestre do ano que vem.

3 PRODUÇÃO E RECEPÇÃO DE TEXTOS ARTÍSTICOS

A necessidade de se pensar a produção e a recepção de textos artísticos vem da urgência de se pensar no “papel” da arte. A arte nos oferece, a todo momento, representações da cultura humana sem estar presa aos padrões a que os sujeitos dessa cultura estão. Isso porque, não está dentro da cultura: é a cultura que está dentro dela, sob a forma de linguagem, representada segundo as configurações que a mão do artista lhe quiser dar.

Quando estamos na posição de receptores de uma obra de arte, relaxamos, e não estabelecemos julgamentos ou conceitos de valor sobre o que vemos: apreciamos.

Assim, a estética assume um importante papel, pois produz a redução da capacidade crítica de julgar segundo preceitos e, assim, contribui no enfrentamento dos problemas e contradições dessa realidade em que vivemos.

E, como “livro é cultura”, “cinema é cultura”, “música é cultura”, não olhamos para arte como os seres culturais que somos: mergulhamos nessas culturas paralelas – poderes paralelos, resistentes à ordem.

A poesia, por exemplo, é uma consciência do mundo, uma forma específica de relacionamento com a realidade, e o artista que a produz é capaz de perceber as características que regem a organização poética da existência, quando passa além dos limites da lógica do homem comum.

A reprodução de sensações da vida produz no receptor efeitos semelhantes aos encontros passageiros do dia a dia: se você caminha por uma rua e os seus olhos encontram-se com os de alguém que passou ao seu lado, há duas reações possíveis. Pode ser que esse olhar seja realmente fortuito, passageiro. Nesse caso, você sequer se lembrará de já ter visto aquela pessoa. Mas se houver algo de surpreendente nesse olhar, se lhe transmitiu algum sentimento (apreensão, correspondência, identificação, repulsa, surpresa), a pessoa que passou influenciou-o psicologicamente, deixando-o num estado de espírito especifico. Aquilo que chamamos arte, ou melhor, a arte que podemos dizer que é representativa, produz, sobre nós, o efeito de um encontro: passa, mas fica.

3.1 A REPRESENTAÇÃO E A INTERPRETAÇÃO DO MUNDO COMO FORMAS DE FORTALECIMENTO DOS PROCESSOS DE IDENTIDADE E CIDADANIA

[conceituação de representação:] Em toda forma de representação alguma coisa se encontra no lugar de outra coisa: representar significa ser o outro do outro, que vem simultaneamente evocado e cancelado pela representação. 67

A grande função da arte é a comunicação: entender o ser humano e ser entendido por ele, esse entendimento mútuo, é uma força a unir as pessoas. O espírito da comunhão é um dos mais importantes aspectos da criação artística.

A arte é uma metalinguagem com a ajuda da qual os homens tentam comunicar-se entre si, partilhar informações sobre si próprios e assimilar a experiência dos outros.

Ao contrário da produção científica, as obras de arte mão perseguem nenhuma finalidade prática. A arte não raciocina em termos lógicos, nem formula uma lógica do comportamento: ela expressa o seu próprio postulado de fé. Se, na ciência, é possível confirmar a veracidade dos argumentos e comprová-los logicamente, na arte é impossível convencer qualquer pessoa de que você está certo.

Ao se emocionar com uma obra-prima, uma pessoa começa a ouvir em si própria aquele mesmo chamado da verdade que levou o artista a criá-la. Quando se estabelece uma ligação entre a obra e o seu expectador, este vivencia uma comoção espiritual sublime e purificadora.

Costuma-se pensar que o significado de uma obra de arte seria esclarecido ao se estabelecer um contato entre ela e a sociedade. Em sentido geral, isso é verdade, mas o paradoxo consiste no fato de que, nesse contexto, a obra de arte depende daqueles que a recebem, que são capazes de perceber, ou manipular, os fios que a ligam com o mundo em geral e com a personalidade humana em sua relação individual com a realidade. O escritor e pensador Goethe dizia que “ler um bom livro é tão difícil quanto escrevê-lo”.

Não deixa de ser verdade que, sabendo que a arte está, de certo modo, subordinada às suas condições de recepção, e isso envolve o fato de que as predileções estéticas desta ou daquela pessoa pode iluminar menos a obra, tirar menos proveito dela. Mas há proveitos disponibilizados pela arte, e como são gratuitos, vale a pena aguçar os sentidos e o espírito para obtê-los.

3.2 A MÚSICA

Algumas coisas só valem por sua força metafórica. A música, apesar de valer simplesmente por existir, por proporcionar um preenchimento da vida mesmo quando esta vida não está, em situação de concentração, dedicada a ela, vale também por isto: ser uma boa metáfora.

O modo de fazer sentido da música está profundamente ligado ao da poesia: importa não necessariamente pelo que diz, mas pelo modo de dizer. A música pode ser considerada, então, uma qualidade da linguagem. Mesmo quando as palavras dizem “Eu nunca sonhei com você” a música pode soar como estratégia para desmentir mesmo uma afirmativa tão direta. A música, como a poesia, conta ainda com a possibilidade de não ter de manter linearidade em suas declarações, e a condição de gerar sentido até com as próprias contradições.

A música pode ser instrumental, ter motivo religioso, assumir variadas formas. No Brasil da atualidade, nosso maior contato com a música é com aquela que chamamos canção. Definir canção é algo extenso e desnecessário para o momento. É possível, porém, para ser breve, fazer-se uma compilação de diversas definições de canção, reunindo oito elementos a ela associados com maior freqüência:

(1) o canto; de um (2) texto poético, geralmente (3) acompanhado por instrumento, dentro de uma determinada (4) forma musical, (5) de duração geralmente breve, (6) com certa interação entre música e poesia, relacionado com diversos (7)contextos, como dança, trabalho, acalanto, reza; (8) de âmbito erudito ou popular.

Se a ausência de letra ou música não dificulta a percepção da canção é porque uma ação conjunta de vários elementos continua mantendo essa percepção, mesmo na falta de alguns de seus elementos.

De todo modo, o que interessa para nós aqui, em particular, é o fato de a canção, além de ser mecanismo de revelação e de transporte de tradições no decorrer dos tempos exercer papéis sociais. Apesar de a arte não ter uma função, apesar de ter valor por si própria, desempenha diversificados papéis no seio das sociedades. Vejamos, abaixo, um exemplo disso, na composição popular de Raul Seixas, gravada pelos Titãs, nos anos 80.

Aluga-se

A solução pro nosso povo eu vou dar

Negócio bom assim ninguém nunca viu

Tá tudo pronto aqui, e só vir pegar

A solução é alugar o Brasil!...

Nós não vamos pagar nada

Lalalalá!
Nós não vamos pagar nada

É tudo free!
Tá na hora, agora é free.

Vamo embora, dar lugar “pros gringo” entrar.

Que esse imóvel tá prá alugar

Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah!...

Os estrangeiros, eu sei que eles vão gostar
Tem o Atlântico, tem vista pro mar
A Amazônia é o jardim do quintal
E o dólar deles paga o nosso mingau...

Nós não vamos pagar nada

[...]

Aluga-se. Letra: Raul Seixas. Gravada pelos Titãs.

A canção parece apresentar uma proposta. Mas o “Lalalalá!” denuncia: trata-se de uma brincadeira. E de que trata essa brincadeira?

Em face de um país sem solução, um imóvel que não conseguimos administrar, fugimos, para não ter que “pagar” o preço pela reconstrução, e ainda tirarmos benefício disso: “o dólar deles paga o nosso mingau”. Fica claro quem seriam os interessados: os gringos, no caso, detentores do dólar, seriam os Estados Unidos. Isso demonstra o interesse que o Brasil desperta, nossa incapacidade de manter o que é desejável e é nosso, nossa preocupação em não vender, para não perder, mas sim alugar, para ficar livres e sustentados por um tempo de depois retomar...

De todo modo, longe de desmotivar e de nos chamar de incompetentes, longe de precisar de um manifesto para convencer de uma verdade, Raul Seixas brinca com a realidade e deixa no ar que o nosso povo precisa de uma solução.

A música nos ajuda a construir uma identidade também a partir do momento em que serve como denúncia de uma necessidade, e de alerta para uma desistência. E esse é apenas um exemplo.

3.2.1 Desafios da inclusão: a música para surdos

Os surdos podem não ouvir a música, mas a sentem muitíssimo bem. “Os indivíduos com deficiências auditivas sentem a música através de vibrações, a percepção destas vibrações musicais são tão reais como o seu equivalente sonoro por serem ambos processados na mesma região do cérebro”, expõe Dean Shibata, professor de radiologia na Universidade de Washington, que elaborou um estudo sobre o assunto.

Em Portugal, estes estudos já estão sendo desenvolvidos, e começam a surgir os primeiros concertos para pessoas surdas. A música entra no mundo dos surdos, as emissões de rádio já existem, a interpretação gestual na televisão já está em evolução, mas em nível de concertos, em Portugal as escolhas ainda não são muitas.

Os ingleses já inventaram as baladas direcionadas exclusivamente aos deficientes auditivos. Uma noite fixa garante que toda semana, os surdos de Londres possam se jogar nas pistas! James Hoggarth teve esta idéia quando tapou os ouvidos no meio de uma festa e percebeu que sentia os graves da música através do seu corpo. Desde então ele organiza a festa “Deaf Jam”, que conta com apresentação de vários DJs de renome na capital inglesa. Para ajudar nas sensações, a festa dos surdos conta ainda com um sistema de iluminação que muda no ritmo da música. O palco também é bem mais iluminado para que os clubbers surdos vejam os artistas fazendo sinais. Os DJs, é claro, abusam dos graves. Músicas como Billy Jean, de Michael Jackson, e LFO, hino do techno do início da década de 90, já são obrigatórias nos sets de quem se apresenta por lá graças ao baixo bem marcado dessas faixas.O dinheiro arrecadado nas festas é destinado a organizações não-governamentais que defendem os direitos dos surdos.

3.3 O TEATRO E O CINEMA

O teatro, dado seu meio interativo, em que um ser humano está presente, mas posto em situação de ficção, dialoga com o público, aproveitando-se de suas reações para definir o tom da continuidade do espetáculo. O cinema interfere diretamente na consciência do receptor por meio de recursos como a atuação dos atores, a caracterização dos personagens e ambientes, a luz, a trilha... Em todo caso, essas duas artes são reprsentações do gestus social. Chamamos de gestus social o gesto ou um conjunto de gestos onde se pode ler toda uma situação social. Por exemplo, o grafismo excessivo da assinatura do burocrata é um gestus social.

Existe uma ligação íntima entre a geometria e o teatro. O teatro é, na verdade, essa prática que calcula o lugar olhado das coisas: se o espetáculo é colocado aqui, o espectador verá isto; se é colocado ali, não verá nada. É e aproveitando esse esconder, poder-se-ia tirar proveito de uma ilusão: o palco é essa linha que vem cortar o feixe ótico, desenhando o fim e como que a fronte de seu desenrolar. O instante pleno é a presença de tudo o que ali está, e o lugar em que todas as ausências (lembranças, lições, promessas) significam coisas.

No teatro, no cinema, na literatura tradicional, as coisas são sempre vistas de algum lugar, é o fundamento geométrico da representação.

No caso do cinema, dada a amplitude de recursos disponibilizados, podemos falar em uma espécie de “olhar do cinema”. A imagem que recebo compõe um mundo filtrado por um olhar exterior a mim, que me organiza uma aparência das coisas, estabelecendo uma ponte, mas também se interpondo entre mim e o mundo.

O encontro da câmera com o objeto (a produção do acontecimento que me é dado a ver) e o encontro do espectador com o aparato de projeção constituem dois momentos distintos, separados por todo um processo. Como espectadores, temos acesso à aparência registrada pela câmera, contemplamos uma imagem sem ter participado de sua produção, sem escolher ângulo, distância, sem definir uma perspectiva própria para a observação. É nesse sentido que dizemos que o cinema interfere diretamente na consciência do receptor. Podemos ampliar essa reflexão. Vejamos o seguinte depoimento.

Ao assistir a um filme de ação tipicamente hollywoodiano, senti meus valores sociais “engavetados”. O filme era Onze homens e um segredo, do diretor Steven Soderbergh[1] (2001). Esse filme conta a história de Danny Ocean (interpretado por George Clooney), que juntamente com sua quadrilha de 11 pessoas planeja roubar 3 cassinos de Las Vegas ao mesmo tempo. Para abreviar a história, Danny e seus comparsas conseguiram realizar seu intuito, e, ao final do filme, fiquei bastante sastisfeita. O desfecho era previsível, assim como boa parte dos enredos de Hollywood: os protagonistas conseguem atingir seu final feliz. Se era previsível, por que fiquei satisfeita? Resposta óbvia: porque a trama me envolveu, e porque, de certa maneira, como receptora da história, participei de cada momento. Apesar de saber que eles conseguiriam, porque assim tinha de ser, a atmosfera de impossibilidade criada minutos antes do desenrolar da trama, convenceu-me de um mérito. Apesar de meio infantil, tudo isso, foi a primeira conclusão que pude tirar. Mas ainda havia algo mais sério quanto aos meus valores (engavetados): todos os envolvidos eram criminosos, formavam uma quadrilha. Na vida real, eu reprovaria, e tudo aquilo me traria medo, reflexões pesadas sobre o estar no mundo e sobre o mundo em que estou.Apesar de minhas concepções sobre a vida social prática, na vida da tela eu admirei os resultados daqueles homens. Como pude? Resposta óbvia: o que acontece na tela não afeta meu mundo real, então, não tenho por que sentir culpa. Essa é a resposta óbvia. Mas há mais a se pensar: durante a sessão, durante a exibição do filme, meus valores – minhas verdades – se ausentaram de mim. Ou, em outros termos, eu me despi de meus valores e de minha cultura, por alguns instantes.

Daí, cheguei à reflexão de que, junto com a trama de ação, e junto com os trejeitos do bandido, e com as formas de pensar os cenários, e com os movimentos de câmera, o enredo, o roteiro, a luz, junto com tudo o que foi empregado para, finalmente, compor aquele todo coeso a que eu assisti, existia um entorpecente dos meus valores, posto no filme para desviar minhas verdades para um lugar em que não atrapalhassem a recepção que o criador queria criar. Parecia-me, então, bastante patente que, junto com a trama de arte, existia, uma trama, uma artimanha, que desejava que eu recebesse sua cria ficcional de uma maneira X. Havia um interesse em que eu acreditasse na história e nas pessoas que viviam aqueles fatos, nas verdades delas – ainda que em detrimento das minhas, civilizadas. Fui, envolvida, invadida, acometida por uma suave narcose, para, então, fruir despida das minhas, a verdade da obra.

Luna Fernandes

Esse depoimento dá a entender que há um objetivo, na arte, que ultrapassa o interesse estético de um artista. Parece fazer sentido. Então, vamos analisar mais o caso.

Voltando para casa, isto é, pensando um pouco no cinema nacional, podemos nos lembrar da agitação em torno do filme “Tropa de elite”. O filme nos revela a condição psicológica (ou a falta de) do policial brasileiro. Tudo naquela obra tende a nos fazer olhar com outros olhos para a polícia, tão mal falada cotidianamente. A pressão a que o policial está exposto, a distância entre o policial corrupto e o correto, o ser humano por trás da farda, com seu problemas familiares etc. Contudo, o filme não deixa de ser fascista, ao sugerir, de maneira penetrante e eficiente uma espécie de higienismo social: a imagem que fica para nós é a de que “precisamos limpar a sociedade daquilo que a polui (o policial corrupto, os usuários e traficantes de drogas...)”.

É preciso ver por trás das obras, se quisermos captar a essência do que o artista quis transmitir. Do contrário, acabaremos dando por “certos” alguns ideais que foram planejados por um artista a partir da definição de um ponto de vista para apresentação dos fatos ficcionais, mas alienadamente, simplesmente cedendo a um apelo, quando deveria ser por meio de reflexão.

A reflexão, no caso, é imprescindível porque o que decorre da recepção de uma obra não nos atinge no nível da consciência. A arte não propõe uma verdade, não se apresenta como algo que tem uma finalidade, não nos impõe conceitos ou valores: ela sussurra, no meio da ilusão que vemos na tela, na poesia, na canção, na foto... Daí que não nos ocorre resistir, como resistiríamos a um conceito ou a uma proposta direta, porque não é uma comunicação que nos vem de modo explícito. Trata-se se um sentido que penetra em nossa consciência pela via do relaxamento, da fruição e do prazer. Cabe à reflexão pôr tudo em seu lugar: decidir se aceitamos ou rejeitamos aquela sugestão da arte. O juízo tem que estar presente.

3.4 Cinema para Cegos

Notícia

A Secretaria de Cultura promove nesta semana, no Cine Brasília, mais um teste do projeto Cinema para Cegos, da Diretoria de Cultura Inclusiva. O filme Araguaia - a Conspiração do Silêncio, de Ronaldo Duque, será exibido para 50 deficientes visuais com a ultilização áudio-fones - recurso que descrevem as cenas dos filmes para quem não pode ver.

Esta sessão é o quarto e último teste antes da estréia do projeto no 40º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, a ser realizado entre os dias 20 e 27 de novembro. "A inclusão terá lugar garantido nesta edição do festival, pois garantir a acessibilidade cultural é um compromisso político que viabiliza o exercício da cidadania", enfatizou Dolores Tomé, coordenadora do projeto.

Antes das sessões, o público cego e de baixa visão recebe um aparelho de tradução simultânea para usar do lado de uma orelha. Desta forma, o espectador escuta a descrição das cenas que não têm som no filme, a fim de possibilitar a compreensão do cenário, figurinos, expressões, entre outros detalhes.

Todo o trabalho de gravação de áudio é realizado anteriormente com a elaboração de um roteiro das cenas as serem descritas. A escolha do narrador é outro fator importante, pois para que não ocorra confusão com a voz do personagem deve haver uma troca, ou seja, se o personagem for uma mulher, a narração é feita por um homem e, se o personagem for homem, a narração é realizada por uma mulher.

O recurso do áudio descrição traz autonomia para os deficientes visuais e por meio dele a estética do filme pode ser percebida através da voz. Percepção bastante diferente, pois para quem enxerga, a estética de um filme está na cor, no enquadramento, no movimento de câmera.

4 A FOTOGRAFIA E A PINTURA

Pode-se falar da idéia contida numa imagem, e descrever a sua essência por meio de palavras? Sim. Tal descrição, porém, nunca será adequada.

Uma imagem pode ser criada e fazer-se sentir. Pode ser aceita ou recusada. Nada disso, no entanto, pode ser compreendido por um processo exclusivamente cerebral. A idéia do infinito não pode ser expressada por palavras ou mesmo descrita, mas pode ser apreendida através da arte visual, que torna o infinito tangível.

A percepção humana cede aos apelos do aparelho: em vários casos, nas artes visuais, a aparência é já uma análise. Focalizar de perto, não é necessariamente dar lugar ao fingimento, mas é centrar a imagem que se quer apresentar com o objetivo de revelar algo.

A diferença entre um plano geral (focalizar o fotografado em um ambiente amplo) e um close-up (focalizar de perto, excluindo o ambiente da imagem a ser apresentada), muitas vezes não pode ser entendida como “olhar à distância” versus “olhar de perto”, mas como o confronto de duas imagens de valores distintos. A diferença é de função, valor, não de posição no espaço. Vista de perto, a imagem do homem apresenta seus traços em detalhes, e é em sua individualidade que o avaliamos. Vista de longe, vemos a imagem do homem contextualizada: trata-se de um homem como parte de um meio, um homem entre outros. Julgaremos, pois essa imagem de homem em relação ao contexto de que faz parte.

Quer-se que o espectador observe de um modo determinado a imagem do homem, e é com parte no modo exato pretendido que esse foco será determinado. Para tanto, tem-se como pressuposto o fato de sabermos o bastante sobre a natureza desse espectador, de modo a prever o caráter de sua identificação com o aparato. O que se pretende é conquistar a adesão à imagem por força do efeito-sujeito.

O olhar fabricado é constante oferta de pontos de vista. Enxergar efetivamente mais, sem recusá-lo implica discutir os termos desse olhar. Observar com ele o mundo, mas também colocá-lo em foco, recusando a condição de total identificação com o aparato. Enxergar mais é estar atento ao visível e também ao que, fora do campo, torna visível.

As fotografias são imagens técnicas. Elas são dificilmente decifráveis, pela razão curiosa de que aparentemente não precisam de ser decifradas, de maneira que a imagem parece não ser símbolo, não ser linguagem, e não precisar de deciframento. Quem vê a imagem técnica parece ver seu significado, embora indiretamente.

O caráter aparentemente não simbólico, objetivo das imagens técnicas faz com que seu observador as olhe como se fosse janelas: o observador confia nas imagens técnicas tanto quanto confia em seus próprios olhos. Nisto, não se dá conta de que as imagens técnicas não são apenas imagens (já que foram feitas com base numa escolha de corte, de pose, etc.), mas sim visões do mundo. O que vemos, ao contemplar as imagens técnicas, não é o mundo, mas determinados conceitos relativos ao mundo.

A imaginação, capacidade de codificar textos em imagens, deve estar em pleno funcionamento tanto diante das imagens técnicas quanto diante daquelas que são fruto de trabalho artesanal, como a pintura. Decifrá-las é reconstituir os textos que tais imagens significam. Vejamos um exemplo da diferença impositiva entre a fotografia e a pintura no exemplo que se segue:

Aqui, apresentamos duas imagens de uma das maiores expressões da pintura brasileira: Cândido Portinari. A primeira, uma foto do pintor, e a segunda um autorretrato feito nitidamente com base na fotografia apresentada.

É, um pouco, de estranhar que, apesar de em alguns aspectos haver uma impressão de reprodução fiel (o vaso de pincéis, o modelo da camisa) da imagem original, em outros ter-se uma alteração da imagem (a expressão e o envelhecimento do pintor). Pode parecer, então, a um leigo, que Portinari era habilidoso em pintar coisas, mas não pessoas. Toda essa interpretação, porém, é equivocada. Vejamos.

Não houve uma reprodução fiel da imagem: o vaso de pincéis está maior na pintura que no retrato: o artista representou o conjunto de seus instrumentos de arte passando acima de sua altura. Numa interpretação menos infiel, pode-se atribuir isso ao peso, valor, que a pintura e seus instrumentos assumem para ele, e, em se tratando de um autorretrato, podem significar “estão acima de mim”, na voz da tinta do poeta.

Depois, a imagem do poeta na foto tem a ver com o teatro, na medida em que a pose denuncia que a postura do modelo muda assim que sabe que está diante de uma máquina de registro: “estou sendo olhado, e quero ser visto da maneira X”. Aliás, mesmo diante de um fotógrafo despretensioso, a pessoa tende a compor-se, tomar uma pose, tornar-se “personagem”.

Já no autorretrato, o registro é da impressão que se tem de si mesmo: “Vejo-me mais sério e mais velho do que nesta foto”. O conceito do artista sobre o que pinta interfere em sua forma de representar: assim como a foto, uma pintura expõe um conceito daquilo que se reprsenta, mas diferentemente da foto, a mão do artista sofre interferência direta daquilo que o cérebro sente, e reflete isso no trabalho produzido.

Em pintura, as técnicas do retrato habituaram-nos a esses dois pólos do rosto. Ora, o pintor apreende o rosto como um contorno, numa linha envolvente que traça o nariz, a boca, a borda das pálpebras e até a barba e a touca – é uma superfície de rostificação. Ora, ao contrário, ele opera por traços dispersos tomados na massa , linhas fragmentárias e quebradas que indicam aqui o estremecimento dos lábios, ali o brilho [umedecimento] de um olhar que comportam uma matéria mais ou menos rebelde ao contorno – são traços de rosticidade.

Rostificar algo seria dar-lhe o valor, ou o efeito, ou ainda o poder de identificação ou rejeição que um rosto pode gerar. Assim, posso dizer que quando Portinari pinta o quadro futebol, abaixo, ele rostifica uma realidade no que pinta. Vejamos:

Como assim rostifica?

Portinari pinta crianças (seres pequenos), sem rosto, brincando sobre uma terra vermelha, disputando espaço com animais e tocos de árvores arrancadas, perto de um murado que, pela proximidade da cruz e pelo formato parece um cemitério. Ele pinta uma realidade que podemos identificar e decodificar. Se podemos identificar é porque para nós assume ares de uma identidade e se podemos decodificar é porque parece decifrável. Em termos simples: “Os pés descalços, as roupas sem destaque e a falta de expressão sobre uma terra vermelho-escura ... Parece que as crianças estão brincando numa daquelas imagens que a gente tem do sertão...” Essa imagem de Portinari remete a uma das “faces” de Brasil que conhecemos. Tem, portanto, rosticidade. Cada parte parece assumir uma espécie de independência momentânea, como se os traços de rosticidade escapassem ao contorno e testemunhassem um sentimento (ou ressentimento) do artista. Esse jogo de cores e formas, ao representar o real, recorta-o e imobiliza-o a tal ponto que promove abstrações e arquétipos que parecem “falar” por si mesmos. Mas até o recortar, enquadramento, interfere: o quadro delimita um recorte de realidade.

De qualquer modo, tanto a pintura quanto a fotografia são formas de reter a realidade (ou de reter uma realidade). Reter o tempo é denegar a morte. Quer dizer, o aparelho fotográfico ora pode ser visto como objeto mágico e escuro, ora pode ser visto como espelho claro, tanto do real quanto do tempo. E ambas as expressões de arte ajudam a guardar um recorte de algo de hoje para o futuro. Esse algo de hoje é um ser humano que pode amanhã não existir, um animal que pode amanhã não existir, uma manifestação de dança, um lugar que pode amanhã estar modificado, um mundo de alguém. É preservar os homens e sua cultura para que possam ser contemplados ou analisados no futuro. É acreditar na maravilha.

4.1 A combinação de imagens

É sabido que a combinação de imagens cria significados não presentes em cada uma isoladamente. Vejamos:

Esta imagem do Presidente Lula mostra-o um homem bem barbeado, aparentemente em situação de reflexão.

A verdade desta fotografia para cada receptor despertará uma reação: confiável, sereno, fingidor (...). Em todo caso, esta imagem será julgada pelo que representa isoladamente.

No quadro abaixo, o interpretação e a avaliação da imagem se dará pelo contexto. Julgaremos o que representa em relação ao conjunto (francamente criado) de que faz parte. Vejamos:

Nesta segunda imagem, a mesma foto vista acima assume ares de “etapa de um processo” de alteração da imagem pessoal de um homem: o prisioneiro; o cidadão simplório, com tudo o que nele pode haver de característico de uma pobreza nacional; o cidadão que sofreu uma organização da aparência; o presidente, uma autoridade, com todos os símbolos de representante nacional e até já dotado de certo ar de opulência característico dos detentores de poder.

Importante aspecto na interpretação, o plano em que uma imagem é apresentado define certos aspectos do que vemos. Em todas as fotos da segunda ilustração vemos Luís Inácio da Silva, mas o que importa não é o que se apresenta, e sim como se apresenta. Nisto, a interpretação de imagens se filia à interpretação do texto poético: o que importa não é simplesmente o fato, e sim o modo de apresentação.

Uma terceira e uma quarta possibilidades de interpretação surgem a partir das duas revelações que faremos a seguir.

A primeira: aquele quadro contendo as quatro imagens de Lula foi publicado numa coluna de charges. É uma charge. Sabendo disso, imediatamente podemos acusar que o objetivo da colagem é compor ou evidenciar uma ironia.

A segunda: a legenda. Toda imagem é polissêmica, e pressupõe uma “cadeia flutuante” e livre de significados, podendo o leitor escolher alguns e ignorar outros. A função da legenda fixa os sentidos possíveis do objeto, através da nomenclatura – “ajuda-me a escolher o bom nível de percepção; permite-me adaptar o meu olhar e também minha compreensão (!)”. No conjunto das simbologias possíveis, a mensagem lingüística (a palavra) orienta não mais a identificação, mas a interpretação, constitui uma espécie de barreira que impede a proliferação de sentidos, isto é, limita o poder de projeção da imagem. Só para não deixar a curiosidade no ar indefinidamente, revelamos a sarcástica legenda da charge: “O Brasil tem jeito!”. A partir daí, faça você as leituras possíveis, isto é, as que a mensagem lingüística vai permitir que você extraia da foto sem fugir ao contexto que ela impõe.

Podemos, agora, ainda, estender a análise em relação à charge pintada, em oposição à fotográfica. Mas o faremos de maneira breve.

A charge pintada amplia, destaca, alguns aspectos marcantes do personagem que quer ironizar, e o destaque se dará, além da delimitação dos traços diferenciais do personagem propriamente dito, de acordo com o contexto que se quer criar. Veja:

Além de destacar o nariz, a barba e as orelhas, procedimento mais comum nas charges sobre Lula (assim como se destacava o topete, no caso de Itamar franco, e a boca de Fernando Henrique, quando os representavam nesse tipo de construção humorística), destaca-se, em relação à aparência do presidente a passagem da rudeza á polidez superficial. Quanto à legenda, orienta a leitura para a interpretação da atitude. Enquanto remédio, o Lula rude era mais reativo; o moderado era ponderado, mas de eficácia duvidosa (observe-se o olhar pouco convicto); e o polido é ineficiente: “um similar inútil, inativo”, não funciona (observe o olhar alheio e as mãos para trás, sinal de estagnação e congelamento: só pose).

Para nós, tão acostumados às palavras, é um exercício no mínimo perturbador ver que as imagens são verdadeiros discursos.

Depois de ver, portanto, não despreze o poder de expressão que as imagens têm, e o quanto os detalhes podem dizer.

5 ESTUDO DO TEXTO LITERÁRIO

Num conceito amplo, literatura é tudo o que aparece afixado por meio de letras. Dentro desse vasto campo das letras, as belas letras representam um setor restrito. Seu traço distintivo parece ser menos a beleza das letras do que seu caráter fictício ou imaginário.

O cinema e o teatro apresentam muitos aspectos concretos, mas não podem como a obra literária, apresentar diretamente aspectos psíquicos sem recurso à mediação física do corpo, da fisionomia ou da voz.

Na obra de ficção, o raio da intenção detém-se em seres puramente intencionais, somente se referindo de um modo indireto – e isso nem em todos os casos – a qualquer tipo de realidade extraliterária. Em todo caso, os textos literários são esquemas especialmente preparados para que o leitor lhes confira um preenchimento concretizador: a imaginação.

Os enunciados de uma obra científica pretendem corresponder, adequar-se exatamente aos seres reais, intenção séria de verdade. Precisamente por isso pode-se falar, nesses casos, de enunciados errados ou falsos e mesmo de mentira e fraude.

O termo “verdade”, quando usado com referência a obras de arte ou de ficção, tem significado diverso. Designa, com freqüência, qualquer coisa como a sinceridade ou autenticidade (termos que em geral visam à atitude subjetiva do autor); ou a verossimilhança; ou à coerência interna no que tange ao mundo imaginário das personagens e situações; ou mesmo a visão profunda ­ de ordem filosófica, psicológica ou sociológica – da realidade.

Todavia, os textos ficcionais, apesar de seus enunciados costumarem ostentar o hábito exterior de juízos, revelam nitidamente a intenção ficcional. Trata-se de um “verdadeiro ser aparencial” [...] baseado na conivência entre autor e leitor. O leitor, parceiro da empresa lúdica, entra no jogo e participa da “não-seriedade” dos “quase-juízos” e do fazer de conta. Não se deve confundir o Eu lírico dentro do poema com o Eu empírico fora dele.

Notamos, talvez sem conhecer as causas que um “Mário” não é uma pessoa e sim uma personagem. Certas palavras sem importância aparente nos colocam dentro da consciência de Mário, fazem-nos participar de sua intimidade: “sem dúvida”, “afinal”, “decerto”, “depois de amanhã”. Tais palavras indicam que se verificou uma espécie de identificação com Mário, de modo que o leitor é levado, sutilmente, a viver a experiência dele.

Só com o surgir da personagem tornam-se possíveis orações categorialmente diversas de qualquer enunciado possível em situações reais ou em textos não-fictícios: “Bem cedo ela começava a enfeitar a árvore. Amanhã era natal”.

A descrição de uma paisagem, de um animal ou de objetos quaisquer pode resultar, talvez, em excelente “prosa de arte”. Mas esta excelência resulta em ficção somente quando a paisagem ou o animal se “animam” e se humanizam através da imaginação pessoal. Pode-se, por exemplo, escrever contos sobre baratas. Mas há de se tratar de uma “baratinha”. O diminutivo afetuoso desde logo humaniza o bicho. O mais terrível na Metamorfose de Kafka é a lenta “desumanização” do inseto. As fábulas e os desenhos cinematográficos baseiam-se nesta humanização. O homem, afinal, só pelo homem se interessa e só com ele pode identificar-se realmente.

Assim, conforme já se estudou em todos os períodos literários e se vai poder verificar por meio das obras elencadas para seu vestibular, a linguagem figurada e a representação do nosso mundo pelo olhar da arte contribui com nossa formação identitária a partir do momento que nos faz ver diferenciais no banal, e graça na repetição cotidiana, ou seja, quando pinta de outras cores o cinza da nossa instável existência.

6 TECNOLOGIA DA COMUNICAÇÃO E INFORMAÇÃO: IMPACTO E FUNÇÃO SOCIAL

Já se usa chamar de “Sociedade informática” esta para a qual os valores e a realidade, o "dever ser" e o "ser", residem no universo das imagens. Sociedade que vivencia, sente, se emociona, pensa, sofre e age em função dos filmes, da TV, dos vídeos, dos jogos eletrônicos, e da fotografia. Em tal sociedade, o poder se transfere dos "proprietários" de objetos, (matérias-primas, energias, maquinas), para os detentores e produtores de informação, para os "programadores". "Imperialismo informático e pós-industrial" será isto.

O mundo "objetivo" perde poder e força enquanto sede do valor e do real, porque a emergência do mundo simbólico enquanto centro do interesse existencial, é mais rápida e violenta do que se possa conter.

É essa a imagem do presente e o temor do futuro: um terreno no qual o poder está sendo detido pelos programadores de aparelhos.

A foto da modelo magra no out door passa por cima dos conselhos dos pais às meninas que ficam sem comer para atingirem “a imagem ideal”. A música parece ser de quem a gravou no cd, e o filme, do ator que o representa: despreza-se o trabalho do compositor e do diretor que tornaram possíveis aquelas realizações artísticas. Nesse contexto, já não é raro o sujeito só acreditar que uma coisa existe se tem no Google.

Trata-se de um poder des-humanizado. Quem emite as mensagens não não tem face, e, a despeito disso, exerce poder sobre o receptor, porque Ihe impõe determinado modelo de vivência, de valor e de conhecimento, normas de comportamento.

As mudanças que isso traz, ou melhor, impõe, ao meio social são patentes. E os problemas também.

Assim como já aconteciam plágios de trabalhos escolares, hoje existem sítios de internet que fornecem, por meio de depósito em conta bancária, fraudes completas e perfeitas. Além disso, a quantidade de pessoas engraçadinhas que para saírem do anonimato assinam seus textos como “Luis Fernando Veríssimo” e “Machado de Assis” não pára de crescer. Isso confere ao meio virtual de comunicação, além do título de “o meio de comunicação mais presente na vida das sociedades” o caráter de o menos confiável: a globalização é incontrolável, e as informações de uma rede mundial são incontinentes por um Estado isolado.

A novelinha “Malhação”, quando veiculada em Portugal, provocou mudanças de comportamento tão impactantes nos jovens daquele país que seus governantes se sentiram impelidos a vetar, por mais de uma vez, a permissão de sua exibição. Mudanças desde lingüísticas e vestimentais até as causadas nas estatísticas de gravidez e aborto entre os jovens. É imensurável, portanto, a influência que exerce no cenário brasileiro, em que é produzida e facilmente assimilada...

A música, ao mesmo tempo em que pode contribuir para formar consciência social, brinca com os problemas e altera a percepção do que há de nocivo em seus contextos. E na correria da cidade out door, pais desatentos sorriem com mimo ao ver seus pequenos cantarolarem e coreografarem a grosseria degradante de “Beber, cair e levantar”, por exemplo.

Se as DSTs já eram de difícil controle pelo Ministério da Saúde, em tempos em que as pessoas se relacionavam sexualmente com parceiros que coneciam numa noite qualquer num bar ou danceteria qualquer, que impacto não deve gerar o fato de as pessoas estarem se relacionando sexualmente com parceiros conhecidos via internet?

Em relação à família, os problemas são ainda mais gritantes. Se antes os pais tinha motivos para se preocupar quando seus filhos estavam nas ruas, agora têm motivos de sobra para “esquentar a cabeça” quando vêem seus filhos quietinhos navegando na internet dentro de casa. É preciso saber quem são os amigos reais e virtuais, é preciso ter cuidado com as consultas médicas com o “Dr. Google”, a ciberpedofilia, o ciberbulling, o ciberperigo. Isso sem contar que nas famílias um pouco mais abastadas, as tevês em cada quarto, os computadores em cada quarto, promovem o isolamento dos entes, cada um em suas “relações sociais virtuais”, exclusivas dos relacionamentos familiares.

O mundo repaginado num “livro sem cheiro”, traz a velocidade, o novo, a multiplicidade e a variedade de possiblidades, acjuda as pessoas a se encontrarem, enfim, traz seus benefícios.

No entanto, precisa se reciclar, rever seus valores e tentar estar mais presente, para que o virtual não se ponha em lugar, propriamente dito, da própria vida.

6.1 O TEXTO LITERÁRIO DA CULTURA DE MASSA

Quando a internet se popularizou, pensou-se que estava próximo o fim do livro. Reclamou-se que a linguagem do jovem sofria pioras. Chamou-se a atenção para a possibilidade de as pessoas pararem de ler, diminuírem seu hábito de leitura. Muito pelo contrário, a mudança foi notadamente positiva, principalmente em relação ao jovem, que passou a ler mais.

Também quanto à ameaça em relação ao fim do livro, ela não se confirma. A mudança que se registra é basicamente em relação ao suporte.

6.1.1 O SUPORTE TEXTUAL EM GÊNEROS DIGITAIS

O suporte textual em gêneros digitais apenas possibilita por outros meios a leitura das mesmas obras impressas em papel, prejuízos para a vista e a coluna, mas com várias vantagens notáveis: a facilidade do acesso, a multiplicidade de possibilidades e combinações, e o fato de as pessoas estarem escrevendo mais, e compartilhando mais ideias também. Isso sem contar a questão ambiental: gasta-se mais energia elétrica, mas cortam-se menos árvores...

Autores não escrevem livros, eles escrevem textos que se tornam objetos escritos, manuiscritos, gravados, impressoe e, hoje, informatizados. Ora, o efeito que o texto é capaz de produzir em seus receptores não é independente das formas materiais que o texto suporta. Essas formas materiais e o contexto em que se inserem contribuem largamente para modelar o tipo de legibilidade do texto, mas se disponibilizam mais o conteúdo para um número cada vez maior de leitores, digo “usuários”, é vantajosa.

Existe também, entre cinema e filme, a mesma relação existente entre literatura e livro, entre pintura e quadro. O lugar mais comum da literatura é olivro, o lugar mais comum da música é o palco, ou o aparelho de som, o lugar mais comum so cinema já não se pode saber se já saltou da tela para o dvd. E parecem, pelo menos parecem, benéficos, esses deslocamentos, exílios impressos.

O filme, o cd, o televisor, o livro, o out door são objetos do mundo; a música, a novela, as “Memórias póstumas de Brás Cubas”, não. O filme é o que corresponde à emissão televisionada, o cinema aquilo que corresponde à própria televisão. Em outras palavras, a televisão e o cinema são diferentes meios, media, mas a arte aprsentada continua, soberana, contida no objeto artístico criado.

6.2 A CARACTERIZAÇÃO DOS INTERLOCUTORES NA COMUNICAÇÃO TECNOLÓGICA[...]

Para a leitura de um livro, procuramos a melhor posição, o melhor lugar, algum isolamento. Para a audição de canção, não há condições específicas generalizáveis, mas cada receptor prefere uma: o turbilhão de sons e cores da boate, o calor do sambódromo, o isolamento do quarto, o som do carro, da cozinha, do player portátil.

As características da recepção de arte variam na mesma medida em que variam os meios possíveis de disseminação da informação.

Vejamos, por exemplo, as características dos três níveis do leitor imersivo, interativo, multifacetado, de internet, em um diagrama:

INTERNAUTA

ERRANTE

DETETIVE

PREVIDENTE

INFERÊNCIA

Abdutiva

Indutiva

Dedutiva

LÓGICA DO

Plausível

Provável

Previsível

CAMPO DO

Possível

Contingente

Necessário

ATIVIDADE MENTAL

Entendimento

Busca

Elaboração

MEMÓRIA

Ausente

Operativa

Longa duração

ATIVIDADE

Exploração

Aleatória

Experimentação

EMPÍRICA

Aleatória

Ad hoc

Combinatória

TIPO DE AÇÃO

Derivar sem rumo

Farejar indícios

Antecipar conseqüências

ORGANIZAÇÃO

Turbulência

Auto-organização

Ordem

TIPO DE EFEITO

Desorientação

Adaptação

Familiaridade

CARÁTER

Deambulador

Farejador

Antecipador

Fonte: Navegar no ciberespaço. Lucia Santaella

Variamos, para nos adaptar ao mundo, assim como aprendemos novas línguas quando precisamos emigrar ou usamos diferentes roupas para diferentes ocasiões.

Nesses novos mundos, cabe atentar para um alerta de urgência: é preciso ter cuidado com os perigos de novos mundos, para podermos aproveitar com qualidade as qualidades e possibilidades que esses novos mundos nos oferecem.

Se conseguirmos atingir esse exercício de consciência, que venha o futuro!



[1] Título Original: Ocean's Eleven. (EUA): 2001. Distribuição: Warner Bros. Direção: Steven Soderbergh. Roteiro: Ted Griffin, baseado em roteiro de Harry Brown e Charles Lederer.